Quando O beijo da mulher aranha desembarcou no Brasil há 10 anos, Claudia Raia, Tuca Andrada e Miguel Falabella nem imaginavam estar fazendo escola para uma geração de novos atores, bailarinos e cantores que dariam vida aos musicais mais importantes de todos os tempos. Com orçamentos astronômicos nesta nova fase – uma produção pode custar algo em torno de R$ 12 milhões –, criou-se uma prática por aqui em que tudo é exuberante e magnífico, sem deixar nada a desejar às produções de Nova York e Londres. E é de lá que está vindo a maior parte dos espetáculos para a temporada 2012, com destaque para A família Addams, Priscilla – Rainha do deserto e A cor púrpura.
A família mais horripilante e engraçada de todos os tempos abre, neste mês, as portas do Teatro Abril, em São Paulo. Depois de uma temporada de sucesso em Nova York, com mais de US$ 64 milhões de faturamento, as histórias do lendário cartunista Charles Addams buscam seus números por aqui. No musical, Marisa Orth e Daniel Boaventura, nos papéis de Mortícia e Gomez, recebem a notícia de que sua filha, Wandinha, se apaixonou por um rapaz "comum" e que serão forçados a oferecer um jantar para a família dele.
Em Priscilla – Rainha do deserto, o trio de drag queens embarca em uma aventura a bordo de um ônibus, carinhosamente apelidado de Priscilla, pelo deserto australiano. Baseado no filme homônimo de 1994, o musical já foi visto por mais de 2 milhões de pessoas desde a estreia em 2006. As cidades de Melbourne, Toronto, Milão e Londres puderam apreciar a produção, que chega agora à capital paulistana, com direito, inclusive, ao famoso ônibus usado nos palcos londrinos e está avaliado em mais de US$1 milhão. "Os brasileiros vão se identificar com a história de Mitzi, Felícia e Bernadette", diz Almali Zraik, produtora-geral de Priscilla.
A cor púrpura, também baseado no filme homônimo de 1985, será mais uma aposta para o ano. Com estreia prevista para abril no Rio de Janeiro, o espetáculo conta a história de Celie – personagem vivida no cinema por Whoopi Goldberg –, uma menina negra, abusada pelo próprio pai e doada para um homem que a trata como escrava. Para manter-se lúcida, ela escreve cartas, primeiro para Deus e depois para a sua irmã. No musical, a protagonista será interpretada pela cantora Vanessa Jackson, vencedora do reality show Fama, em 2002, da Rede Globo. Outra personagem marcante é Sofia, vivida nas telas por Oprah Winfrey, cujo papel lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. De acordo com Ricco Antony, produtor de A cor púrpura, o nome da atriz que fará o papel que foi de Oprah é mantido em segredo. Ele só será revelado na estreia. Mas garante que "é uma grande surpresa".
Indústria de novos talentos
A abertura desse tipo de mercado só foi possível porque houve uma grande procura dos espectadores e dos patrocinadores, que apostaram nesse novo nicho de entretenimento, e pelas leis de incentivo. Com isso, São Paulo e Rio de Janeiro se tornaram espelhos de produções que, após temporadas de sucesso em Nova York e Londres, partem para o Brasil.
Em alguns casos, os espetáculos ainda fazem uma parada de curtíssima temporada em outras capitais, como Porto Alegre e Curitiba. Foi o caso de Os produtores (2008), com Juliana Paes, Vladimir Brichta e Miguel Falabella, em apresentações de apenas uma semana. No entanto, o número de musicais que consegue sair da ponte aérea é bem pequeno. Almali aponta a questão financeira como o principal empecilho. Com experiência internacional e anos de carreira, a produtora já levou os musicais O fantasma da ópera (2009) e A bela e a fera (2010) para Buenos Aires, depois da passagem pelo Brasil, e acredita que os custos são muito altos para tão pouco tempo de apresentação. "Um espetáculo do porte do Priscilla, por exemplo, para se pagar, tem que ficar em cartaz, no mínimo, três meses, com seis apresentações por semana".
Se as oportunidades de trabalho para os atores cresceram, as funções nos backstages aumentaram na mesma proporção. "Houve a profissionalização de várias funções, desde os stage managers, uma espécie de gerente de palco, até a equipe responsável pela parte funcional do teatro, a equipe do cenário, entre outras, mão de obra que antes era bem escassa e precária", declara Floriano Nogueira, diretor residente de Hair, musical que ganhou os palcos paulistanos em janeiro último e permanece em cartaz.
Outras funcionalidades, antes mesmo de as cortinas se abrirem, também estão em alta no atual cenário da indústria dos musicais. Dentre elas, diretor e coreógrafo residentes, que participam desde as audições até a montagem final. "Temos que manter fielmente a qualidade deixada pela equipe criativa original, que muitas vezes vem de outros países", finaliza Nogueira.
Seja para as atividades atrás das cortinas, seja para interpretar no palco, Nogueira é categórico em que a preparação do profissional é fundamental para o bom desempenho. E isso Kiara Sasso tem de sobra. Atualmente em cartaz em Hair, no qual interpreta a hippie grávida Jeanie, a cantora e atriz já esteve envolvida em papéis de grande destaque, nas principais produções vindas para o Brasil. Ela foi Christine, em O fantasma da ópera; a Bela, em A bela e a fera; e Donna, em Mamma Mia!.
"Hair é a terceira peça que eu emendo. Fiz O médico e o monstro ao mesmo tempo que ensaiava o Mamma Mia!. Durante a temporada do Mamma Mia!, já estava ensaiando de novo, só que para o Hair", conta.
Enquanto vive essa rotina de ensaios e apresentações, a atriz se entrega à personagem e vive só para o musical. "É muito trabalhoso, mas adoro o que faço. Quando entramos em cartaz, posso começar a pensar em vida fora do teatro. Em breve voltarei para a academia, aulas de canto e reencontrarei meus amigos, terei uma vida social", brinca.
Alma de fantasma
O musical mais visto de todos os tempos no mundo todo, inclusive aqui, é O fantasma da ópera (2005). Só para ter uma ideia, ele está há mais de 15 anos em cartaz em Nova York. Em solo brasileiro, a responsabilidade por protagonizar o fantasma coube ao barítono brasileiro Saulo Vasconcelos. Porém, antes da estreia no país, o ator já tinha feito o personagem na versão mexicana, em 1999. "Aprendi o idioma enquanto ensaiava para a peça", argumenta Vasconcelos. Quando chegou para a versão brasileira, o ator tinha todas as falas na ponta da língua. Mas, mesmo após mil apresentações, ele conta que a tensão era muito grande. Atualmente, está no musical Priscilla – Rainha do deserto como o mecânico Bob, que se apaixona por Bernadette, uma das drag queens.
Além dessas estreias, há ainda outros espetáculos em vista. Rio de Janeiro e São Paulo se revezam para receber esse turbilhão cultural. Um violinista no telhado, com participação de José Mayer no elenco, já passou pelo Rio e chega a São Paulo ainda neste mês. Outro espetáculo também em cartaz no Rio de Janeiro é Xanadu, com a participação de Sidney Magal. O musical ganhou as manchetes no fim de janeiro devido ao acidente envolvendo os atores Thiago Fragoso e Danielle Winits. O cabo que os sustentava no ar em alguns momentos da peça se rompeu, fazendo-os despencar de uma altura de quase cinco metros. Xanadu já voltou aos tablados cariocas, mas com o ator Danilo Timm no lugar de Fragoso, que quebrou cinco costelas.
O número crescente de musicais prova que as portas estão cada vez mais abertas para os sucessos da Broadway. E, quem sabe, outras capitais do país também possam se tornar pit stops obrigatórios. Pela torcida, eles já têm público garantido.
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