Do clássico ao arrojado, São Paulo e Rio receberam montagens profissionais e de qualidade
Terça, 28 de Dezembro de 2010, 00h00
Ubiratan Brasil
A cena brasileira sempre foi marcada por grandes musicais - tanto versão de clássicos internacionais (como o My Fair Lady de 1964, com Bibi Ferreira e Paulo Autran) como obras-primas nacionais (Gota D"Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, para ficar com apenas uma). Mas foi em 2001, com a estreia de Les Misérables no Teatro Abril, que se iniciou a fase Broadway do teatro nacional, com a vinda de espetáculos grandiosos. Ao longo dessa década, formou-se uma geração de intérpretes e técnicos capazes de atender a um mercado crescente a ponto de, em 2010, São Paulo ter nove musicais em cartaz ao mesmo tempo.
Nessa fase de consolidação - da qual também participou o Rio de Janeiro graças ao vital trabalho de Charles Möeller e Claudio Botelho -, o profissionalismo se igualou ao de países com larga tradição no musical, especialmente os Estados Unidos. É o que se observa, por exemplo, com Hair, que estreou no Rio em novembro, conquistando o posto de o melhor musical do ano.
A mais recente produção de Möeller e Botelho confirma sua maturidade e pleno domínio das técnicas exigidas por esse tipo de espetáculo. O Hair brasileiro consegue a proeza de ser atual sem se esquecer do momento que o inspirou, a Guerra do Vietnã. Mas é em um aspecto específico que essa produção se destaca, confirmando o grau de profissionalismo dos artistas nacionais: a homogeneidade do elenco. Ainda que prevaleça a hierarquia entre protagonistas e personagens de apoio, mesmo aqueles que têm poucas falas mantêm o nível e equilibram a montagem.
Quando o assunto é atuação, o nome de Totia Meireles ganha relevância. Ela protagonizou Gypsy, que estreou no Rio e chegou a São Paulo em julho. Trata-se de um dos maiores espetáculos da história da Broadway em que a trajetória da mãe e suas duas filhas em busca do glamour é pano de fundo para apresentar a profunda mudança de perfil do show biz americano durante a Grande Depressão, iniciada nos anos 1930, quando o vaudeville e seus espetáculos mais ingênuos perderam espaço para o burlesco, com seu traço mais erótico.
Essa transformação é exibida no papel vivido por Totia, Mamma Rose, a mãe inescrupulosa cujo sonho de glamour para as filhas se transforma em frustração. É justamente esse detalhe que foi decisivo na carreira do musical - uma crítica publicada no jornal New York Times, à época da estreia americana (1957), apontava Gypsy como "a resposta do teatro americano a Rei Lear, de Shakespeare". Escrito por Frank Rich, o texto dizia que, se Lear vive uma relação conturbada com suas três filhas, Rose não se cansa até transformar uma de suas filhas - inicialmente June (Renata Ricci) e, depois, Louise/Gypsy (Adriana Garambone) - em uma grande estrela do teatro de variedades. E, no final, tal qual Lear, a mãe sente-se abandonada.
Em cena, Totia transformou-se no furacão exigido pelo papel, alternando humor e drama na medida exata, e temperando ainda com uma voz potente e cristalina, capaz de reproduzir todos os meandros das letras de Stephen Sondheim e a melodia de Jule Styne. Foi a melhor atuação feminina não apenas de 2010, mas de toda a década da nova fase dos musicais no Brasil.
Trilhando pelo mesmo caminho está Kiara Sasso, que protagonizou dois espetáculos neste ano: o soturno O Médico e o Monstro e o solar Mamma Mia! Dois momentos distintos que confirmaram seu talento, especialmente no último em que enfrentou um desafio particular: interpretar a mãe de uma adolescente sendo ainda jovem. Para isso, Kiara exibiu suas qualidades de atriz, especialmente ao dramatizar algumas canções do grupo ABBA cuja letra traduz exatamente o sentimento da personagem. A aspereza na voz não deixava dúvidas sobre a intenção da cena, convencendo o espectador estar diante de uma senhora madura.
Clássicos. Em 2010, foram montados também clássicos populares da Broadway, como O Rei e Eu, sob a direção de Jorge Takla e a eficiente interpretação de Cláudia Netto, e Cats, que destacou a cantora Paula Lima também como atriz. Outro destaque foram produções menores que, se não dispunham de orçamentos polpudos, conseguiram manter a qualidade exigida por um musical - é o caso de Bark! Um Latido Musical e Emoções Baratas, ambos dirigidos com segurança por José Possi Neto, que já prepara uma das promessas de 2011, New York, New York, espetáculo que inspirou o filme dirigido por Martin Scorsese.
A estreia deve acontecer em março, na mesma época que Takla deve iniciar a temporada de Evita, com Paula Capovilla no papel principal, Daniel Boaventura como Perón e Fred Silveira vivendo Che Guevara. Charles Möeller e Claudio Botelho aceitaram participar da mega-produção As Bruxas de Eastwick, inspirado no famoso filme, baseado no romance de John Updike. A estreia está prevista para agosto, no Teatro Bradesco. Antes, a dupla deve finalizar O Violinista no Telhado, musical de Joseph Stein, baseado em contos de Sholom Aleichem, com canções de Jerry Bock e Sheldon Harnick. O espetáculo deve iniciar carreira em junho, no Rio de Janeiro.
Terça, 28 de Dezembro de 2010, 00h00
Ubiratan Brasil
A cena brasileira sempre foi marcada por grandes musicais - tanto versão de clássicos internacionais (como o My Fair Lady de 1964, com Bibi Ferreira e Paulo Autran) como obras-primas nacionais (Gota D"Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, para ficar com apenas uma). Mas foi em 2001, com a estreia de Les Misérables no Teatro Abril, que se iniciou a fase Broadway do teatro nacional, com a vinda de espetáculos grandiosos. Ao longo dessa década, formou-se uma geração de intérpretes e técnicos capazes de atender a um mercado crescente a ponto de, em 2010, São Paulo ter nove musicais em cartaz ao mesmo tempo.
Nessa fase de consolidação - da qual também participou o Rio de Janeiro graças ao vital trabalho de Charles Möeller e Claudio Botelho -, o profissionalismo se igualou ao de países com larga tradição no musical, especialmente os Estados Unidos. É o que se observa, por exemplo, com Hair, que estreou no Rio em novembro, conquistando o posto de o melhor musical do ano.
A mais recente produção de Möeller e Botelho confirma sua maturidade e pleno domínio das técnicas exigidas por esse tipo de espetáculo. O Hair brasileiro consegue a proeza de ser atual sem se esquecer do momento que o inspirou, a Guerra do Vietnã. Mas é em um aspecto específico que essa produção se destaca, confirmando o grau de profissionalismo dos artistas nacionais: a homogeneidade do elenco. Ainda que prevaleça a hierarquia entre protagonistas e personagens de apoio, mesmo aqueles que têm poucas falas mantêm o nível e equilibram a montagem.
Quando o assunto é atuação, o nome de Totia Meireles ganha relevância. Ela protagonizou Gypsy, que estreou no Rio e chegou a São Paulo em julho. Trata-se de um dos maiores espetáculos da história da Broadway em que a trajetória da mãe e suas duas filhas em busca do glamour é pano de fundo para apresentar a profunda mudança de perfil do show biz americano durante a Grande Depressão, iniciada nos anos 1930, quando o vaudeville e seus espetáculos mais ingênuos perderam espaço para o burlesco, com seu traço mais erótico.
Essa transformação é exibida no papel vivido por Totia, Mamma Rose, a mãe inescrupulosa cujo sonho de glamour para as filhas se transforma em frustração. É justamente esse detalhe que foi decisivo na carreira do musical - uma crítica publicada no jornal New York Times, à época da estreia americana (1957), apontava Gypsy como "a resposta do teatro americano a Rei Lear, de Shakespeare". Escrito por Frank Rich, o texto dizia que, se Lear vive uma relação conturbada com suas três filhas, Rose não se cansa até transformar uma de suas filhas - inicialmente June (Renata Ricci) e, depois, Louise/Gypsy (Adriana Garambone) - em uma grande estrela do teatro de variedades. E, no final, tal qual Lear, a mãe sente-se abandonada.
Em cena, Totia transformou-se no furacão exigido pelo papel, alternando humor e drama na medida exata, e temperando ainda com uma voz potente e cristalina, capaz de reproduzir todos os meandros das letras de Stephen Sondheim e a melodia de Jule Styne. Foi a melhor atuação feminina não apenas de 2010, mas de toda a década da nova fase dos musicais no Brasil.
Trilhando pelo mesmo caminho está Kiara Sasso, que protagonizou dois espetáculos neste ano: o soturno O Médico e o Monstro e o solar Mamma Mia! Dois momentos distintos que confirmaram seu talento, especialmente no último em que enfrentou um desafio particular: interpretar a mãe de uma adolescente sendo ainda jovem. Para isso, Kiara exibiu suas qualidades de atriz, especialmente ao dramatizar algumas canções do grupo ABBA cuja letra traduz exatamente o sentimento da personagem. A aspereza na voz não deixava dúvidas sobre a intenção da cena, convencendo o espectador estar diante de uma senhora madura.
Clássicos. Em 2010, foram montados também clássicos populares da Broadway, como O Rei e Eu, sob a direção de Jorge Takla e a eficiente interpretação de Cláudia Netto, e Cats, que destacou a cantora Paula Lima também como atriz. Outro destaque foram produções menores que, se não dispunham de orçamentos polpudos, conseguiram manter a qualidade exigida por um musical - é o caso de Bark! Um Latido Musical e Emoções Baratas, ambos dirigidos com segurança por José Possi Neto, que já prepara uma das promessas de 2011, New York, New York, espetáculo que inspirou o filme dirigido por Martin Scorsese.
A estreia deve acontecer em março, na mesma época que Takla deve iniciar a temporada de Evita, com Paula Capovilla no papel principal, Daniel Boaventura como Perón e Fred Silveira vivendo Che Guevara. Charles Möeller e Claudio Botelho aceitaram participar da mega-produção As Bruxas de Eastwick, inspirado no famoso filme, baseado no romance de John Updike. A estreia está prevista para agosto, no Teatro Bradesco. Antes, a dupla deve finalizar O Violinista no Telhado, musical de Joseph Stein, baseado em contos de Sholom Aleichem, com canções de Jerry Bock e Sheldon Harnick. O espetáculo deve iniciar carreira em junho, no Rio de Janeiro.
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